Se
a arte de Caravaggio pudesse ser definida numa palavra, ela provavelmente seria:
brutal. Michelangelo Merisi da
Caravaggio (1571 – 1610) combinou, nas imagens que compôs, uma visão realística
do ser humano, tanto do ponto de vista físico como emocional, ao uso dramático
da luz. O resultado é arrebatador. Caravaggio pinta homens e mulheres de
verdade: não esconde nem a sujeira nem a beleza de seus corpos. Os temas
violentos refletem a personalidade do pintor. Consagrado em Roma, seu
temperamento volátil o levou a matar um homem num duelo. A partir de então, sua
vida tornou-se uma fuga que o levou a Nápoles, Malta e Sicília, em busca de
protetores com quem, depois de pouco tempo de convivência, rompia - e no caso
dos Cavaleiros de Malta, de modo violento. Suas obras acabaram se tornando
moeda de troca para a proteção e o perdão que esperava receber das autoridades.
Uma moeda valiosa, com a qual ele comprou os poderosos para tentar escapar dos assassinos
que o perseguiam e que, talvez (pois há controvérsias sobre o modo como
Caravaggio morreu), tenham cumprido sua missão.
A Decapitação de São João Batista, pintado em 1608 quando Caravaggio
estava sob a proteção dos Cavaleiros de Malta, é considerada obra-prima desse
pintor e um dos quadros mais importantes da arte ocidental. A pintura retrata o
momento em que São Batista é sangrado, antes da decapitação. Ele já teve a
jugular cortada e a espada que será usada para arrancar sua cabeça descansa ao
lado. À esquerda, Salomé aguarda com uma bandeja a cabeça que lhe será dada. Ao
seu lado, o contraponto: uma mulher,
identificada como, possivelmente, a princesa Herodias, irmã do rei Herodes
Agripa I, reage, chocada, ao absurdo que é a execução de um inocente. A tela reúne
as principais características de Caravaggio: da técnica soberba deste que foi
um dos iniciadores da pintura barroca, do jogo de luz e sombra, à violência que
extrapola os limites tanto da emoção como da razão humanas. Com isso,
Caravaggio nos dá um retrato da nossa própria alma: tão bela quanto violenta;
tão reles quanto elevada... Brutal.
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