quarta-feira, 24 de abril de 2013

Portinari - Guerra e Paz

Cândido Torquato Portinari (1903 – 1962) foi um dos maiores pintores brasileiros, um mestre do neo-realismo. A extensão de sua obra é notável. De ilustrações de livros a retratos; de pequenas telas a murais e afrescos. Suas pinturas são despojadas de tridimensionalidade e de volume, valorizando mais a cor e o tema. Comunista (precisou se exilar no Uruguai durante o governo Dutra), grande parte dos temas de seus trabalhos abrangem o aspecto social: retirantes nordestinos, lavradores, cenas marcantes da História do Brasil. Morreu cedo, por problemas decorrentes do envenenamento por chumbo, presente nas tintas que usava.
Guerra e Paz, dois enormes painéis de 10 x 14 metros pintados para decorar a sede da ONU, em Nova York, entre 1952 e 1956. Os azuis se sobressaem e, como Guernica, que tanto impressionou Portinari, a pintura da Guerra realça o sofrimento dos inocentes (representados por mulheres e crianças) - rostos e mãos voltados para o céu, na esperança que algum deus os salve - e tira a relevância dos soldados, comparando-os a feras. Contradição das contradições - como a guerra e a paz -, embora a ONU exibisse a pintura do grande mestre brasileiro, as autoridades americanas não lhe concederam visto de entrada para ver a inauguração, uma vez que Portinari era notório comunista.




Candido Torquato Portinari (1903 - 1962) was one of the greatest Brazilian artists, a master of neo-realism. The extent of his work is remarkable. From Illustrations of books to portraits; from small screens to murals and frescoes. His paintings are stripped  of depth and volume, giving more attention to color and theme. Communist (had to go into exile in Uruguay during the Dutra administration), many of his paintings themes include the social aspect: Northeastern migrants, peasants, workers, or remarkable scenes in the history of Brazil. He died early due to problems arising from lead poisoning – a chemical which was present in the inks he used.
War and Peace, two huge panels of 10 x 14 meters, was painted between 1952 and 1956 to decorate the UN headquarters in New York. The blue shades stand out and, as Guernica which so impressed Portinari,  the panel  War depicts the suffering of the innocent (represented by women and children) - faces and hands toward the sky in the hope that some god save them - and diminishes the relevance of the soldiers, comparing them to wild beasts. Contradiction of contradictions - such as war and peace - although the UN exhibited the painting of the great Brazilian master, American authorities did not grant him a visa to see the inauguration of the panel since Portinari was a notorious communist.


quarta-feira, 17 de abril de 2013

Goya - Três de Maio de 1808

Os temas e as cores de Goya são fortes, emocionantes, marcantes como o próprio espírito da Espanha. Francisco José de Goya y Luciendes (1746 – 1828) é considerado o último dos grandes mestres e o primeiro dos modernos.  Sua obra é, sobretudo, crítica, subversiva. Mais que pintor e gravurista, Goya é um cronista e comentarista que narra seu tempo com cores delicadas tornadas violentas. Sua série de gravuras Os Desastres da Guerra é um protesto contra a violência das guerras napoleônicas - um macabro retrato do lado obscuro da alma humana. Claramente um canal catártico para o autor, as gravuras transbordam a raiva com que foram produzidas. Os trabalhos do final da vida, pintados com tons sombrios em telas ou nas paredes da Quinta Del Sordo, entre os quais estão Saturno Devorando um de seus Filhos, foram considerados essenciais para se compreender a condição humana nos tempos modernos. 
Três de Maio de 1808, pintado em 1814, celebra a resistência espanhola à invasão de Napoleão. Reconhecida como uma das primeiras pinturas da era moderna, sua força emocional a transformou numa imagem arquetípica dos horrores da guerra. Morte ao amanhecer: a dramática luz que jorra da lanterna postada ao centro, as linhas retas, duras da postura e dos rifles dos soldados contrastando com a irregularidade de formas das vítimas, a grandiosidade dos rebeldes e a pequenez dos soldados, mostrada pela proporção alterada das figuras. A cena ecoa, de fato, a velha frase de Plauto (254 – 184 a.C.): “o homem é o lobo do homem”. E, provavelmente, nunca vai deixar de ser.




The themes and colors of Goya are strong, exciting, striking as the very spirit of Spain. Francisco José de Goya y Luciendes (1746 - 1828) is considered the last of the great masters and the first of the moderns. His work is especially critical, subversive. More than a painter and printmaker, Goya is a portrayer and commentator of his time and he does it with delicate colors. His series of etchings The Disasters of War is a protest against the violence of the Napoleonic Wars - a macabre portrait of the dark side of the human soul. Clearly a cathartic channel for the author, the etchings overflow with the anger with which they were produced. The work of the end of his life(among which are the famous Saturn Devouring one of his Children), painted in dark tones on canvases or on the  walls of the Quinta del Sordo, are considered essential to understand the human condition in modern times.
Three of May 1808, painted in 1814, celebrates the Spanish resistance to Napoleon's invasion. Recognized as one of the first paintings of the modern era, it has become an archetypal image of the horrors of war. Death at dawn: the dramatic light that streams from the lantern posted to the center, the straight lines, the stiff posture and rifles of the soldiers in contrast to the irregular shapes of the victims, the great size of the rebel and the smallness of the soldiers, shown by the altered proportion of the figures. The scene echoes, in fact, the old phrase by Plautus (254-184 BC): "man is a wolf to man." And will probably never cease to be.



quinta-feira, 11 de abril de 2013

Simon Renard de Saint-André - Vanitas

O conceito de Vanitas na arte, associado a naturezas mortas, desenvolveu-se nos Países Baixos (mas não exclusivamente) nos séculos XVII e XVIII. A palavra latina significa “vaidade” e é um lembrete da natureza transitória da vida: um dia, belo e jovem; amanhã, morto e decomposto. Obras evocando o conceito de Vanitas eram muito comuns na arte funerária da Idade Média. Aqui, não é a beleza que vale, mas o conceito de memento mori - a evocação simbólica ou artística da inevitabilidade da morte.
Simon Renard de Saint-André (1613 – 1677) foi famoso em vida como retratista, mas hoje é mais conhecido pelas suas refinadas Vanitas, nas quais instrumentos musicais e crânios ocupam papel central em lembrar a brevidade da vida. Mórbido? Não. Apenas real. Afinal, nada mais certo que a inscrição grafada à entrada de diversos cemitérios espalhados pelo mundo cristão, “nós [os mortos] que aqui estamos, por vós [os vivos] esperamos”.



The concept of Vanitas in art - often associated with still lifes - developed in the Netherlands (but not only) in the seventeenth and eighteenth centuries. The Latin word means "vanity" and is a reminder of the transitory nature of life: one day, beautiful and young; tomorrow dead and decomposed. Works evoking the concept of Vanitas were very common in the funerary art of the Middle Ages. Here, it is not beauty that matters, but the concept of memento mori - a symbolic or artistic evocation of the inevitability of death.
Simon Renard de Saint-André (1613 - 1677) was famous in his lifetime as a portraitist, but today he is best known for his refined Vanitas, in which musical instruments and skulls play a central role in reminding the brevity of life. Morbid? No. Only real. After all, nothing is more certain than the inscription shown above the gates of many cemeteries in the Christian world, "we [the dead] who are here await thee [the living]."

sexta-feira, 5 de abril de 2013

Pablo Picasso - Guernica

Talvez o maior mérito de Pablo Picasso (1881 - 1973) tenha sido explorar o feio, apresentando-o, quem sabe, como belo. Salvador Dalí, em seu Libelo Contra a Arte Moderna destaca essa característica sem se referir a Picasso, mas ao Modernismo de forma geral. E, sem dúvida, Picasso é o maior esteta do feio. Sua obra é niilista. Desconstrói , destrói, abrindo espaço para novos caminhos na arte. É um projeto artístico arriscado, o qual Picasso abraçou com o ardor do gênio que era. Com efeito, ele por vezes consegue transformar o feio em belo ou, quando não, ao menos acomoda a estética do feio ao imaginário do observador. Dessa forma, expandiu as fronteiras da arte como poucos antes dele o fizeram. Machista, ególatra, um tanto selvagem, Picasso foi um explorador que se recriou na medida em que evoluiu. Das primeiras pinturas calcadas no Realismo da década de 1890 à co-invenção do Cubismo nos anos 1920, das colagens às pinturas de cunho político do pós-guerra, das gravuras e cerâmicas às esculturas, Picasso deu vasão à sua elétrica inquietação, à qual a arte tanto deve.
Durante a ocupação nazista de Paris, na Segunda Guerra, oficiais alemães iam com frequência ao seu estúdio para confiscar algumas das suas obras. Numa dessa ocasiões, o oficial que avaliava os diversos quadros e esculturas deparou-se com Guernica, obra pintada em 1937 que representa o bombardeio alemão da cidade do mesmo nome, durante a Guerra Civil Espanhola. O oficial perguntou a Picasso, num tom jocoso que denunciava sua desaprovação àquele quadro feio, se tinha sido ele que fez aquilo. “Não”, respondeu Picasso. “Foram vocês”. De fato, a intenção de Picasso nesse quadro é retratar o drama e a carnificina perpetrada pelos nazistas em Guernica - um prelúdio à Segunda Guerra. É um quadro cheio de som e de fúria. Retrata de forma pungente e emocionante a crueldade, a dor, a angústia, a covardia e a insensatez que é a guerra . É grotesco. Grotescamente belo.





terça-feira, 2 de abril de 2013

Jan Vermeer - Vista de Delft

A Holanda é o berço de influentes mestres da pintura. Jan Vermeer (1632 – 1675) foi um deles. Vermeer retratou os interiores e as vidas nas casas de classe média de Delft, sua cidade natal, onde conseguiu relativo reconhecimento durante a vida. Além do aspecto humano, o uso de pigmentos caros, especialmente para produzir tons azuis e amarelos, e o tratamento da luz (é considerado um dos maiores mestres da luz) são suas principais características. Vermeer caiu no esquecimento depois da morte, mas foi redescoberto no século XIX e, hoje, é considerado um dos maiores nomes da Era Dourada da Holanda -  o período compreendido entre o final do século XVI e o seguinte, quando que a Holanda atingiu seu apogeu econômico e cultural, liderando as ciência, filosofia e artes europeias. 
Vermeer pintava lentamente, sempre buscando a perfeição. Em Vista de Delft, produzido entre 1660 e 1661, ele “pega uma realidade turbulenta e a transforma num paraíso na Terra”, conforme escreveu um crítico. Criado num tempo em que as paisagens urbanas não eram comuns, é um dos quadros mais populares de Vermeer. A luz parece se derramar em cascata sobre a cidade, pintando a cena. Aqui Vermeer também lança mão da técnica do pontilhismo, empregada posteriormente por artistas como George Seurat e Van Gogh.